Viver em diálogo, viver em Igreja, viver em Aliança

24 de fevereiro de 2021 às 10:26 AM

(Foto: Schoenstatt International Communication Office 2014)

 

 

“O diálogo social autêntico pressupõe a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro”

 

Diác. Filipe Araujo – Neste ano, a V Campanha da Fraternidade Ecumênica nos convida a refletir o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”. Trata-se de um convite para trilhar um caminho que busca a unidade e a paz, o que passa pela “superação de todas as formas de intolerância, racismo, violências e preconceitos” mediante um arrependimento que “contribua para assumirmos outras posturas em relação a cada pessoa que encontrarmos” [1].

 

Apesar de todas as controvérsias que surgiram frente ao texto base e seu contexto (que certamente podem gerar discussões importantes), acredito que valorizar os aspectos positivos que o tema da Campanha oferece poderia fazer muito bem a todos nós. Olhando para o horizonte de evangelização que temos como Igreja, podemos reconhecer que essa missão é tão ampla que há distintos modos de realizá-la, com distintos meios e distintos acentos. Por outro lado, essa missão só pode ser cumprida quando caminhamos juntos e agimos a partir da totalidade da nossa fé e doutrina, da nossa tradição e da escuta e interpretação dos signos dos tempos à luz do Evangelho. Sem dúvidas, o contexto atual exige que entremos em diálogo uns com os outros para poder levar a cabo nossa missão evangelizadora.

 

Isso não exclui nem minimiza a possibilidade de ter ressalvas frente a ideias e expressões que a redação do texto apresenta, já que, em um contexto de diálogo, todos podem expor pontos de vista diferentes. O objetivo, no entanto, sempre é a escuta mútua para se chegar a um consenso que nos permita avançar à unidade e à paz tão necessárias. A mesma Igreja, no Concílio Vaticano II, nos recorda que “o nosso respeito e amor devem estender-se também àqueles que pensam ou atuam diferentemente de nós em matéria social, política ou até religiosa. Aliás, quanto mais intimamente compreendermos, com delicadeza e caridade, a sua maneira de ver, tanto mais facilmente poderemos com eles dialogar” [2].

 

A realidade dos vínculos

Em uma humilde tentativa de assumir essa perspectiva desde a nossa espiritualidade, podemos ver que o caminho de conversão para o qual somos convidados nessa Quaresma tem relação direta com o tema dos vínculos, um dos elementos centrais do nosso carisma. O organismo de vinculações expressa a realidade que Jesus mesmo apresenta em seu novo mandamento: amar a Deus e amar ao próximo são coisas inseparáveis. Não há amor autêntico ao nosso Senhor que exclua outra pessoa, e toda mostra de amor a alguém é mostra de amor a Deus. Quando voltamos a essa realidade, entendemos que nossa cultura da Aliança nos dirige ao ponto mais central da nossa fé, integrando o mundo natural e sobrenatural. A Aliança que selamos no Santuário com nossa Mãe nos conduz a amar mais o Deus Trino e a amar mais o próximo.

 

Nesse sentido, podemos encontrar um grande valor no convite que nos faz a Campanha da Fraternidade, já que o crescimento no amor implica um passo muito concreto: a revisão das formas com as quais nos vinculamos aos demais. Esse é, em primeiro lugar, um convite muito pessoal para um exame de consciência. O Evangelho da Quarta-Feira de Cinzas exortava: “quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta e reza ao teu Pai que está oculto” (Mt 6, 6). Em uma oração sincera e contrita, revisemos nossos pecados frente ao mandamento do amor. Como tenho tratado aos que são diferentes de mim? Como vejo aqueles que pensam diferente e tem costumes diferentes? Tenho atitudes, mesmo que estejam ocultas em meu interior, de intolerância e preconceito?

 

Todos as falhas no âmbito dos vínculos aos demais ferem todo o organismo de vinculações. São inúmeras as diferenças que podem se tornar barreiras aos demais. Mas, cada barreira é uma consequência do pecado em nosso interior, que precisa ser sanada pela graça de Deus. Nesse sentido, a melhor atitude é sempre a abertura: por um lado, a abertura ao outro e à sua realidade; por outro lado, a abertura ao Deus Salvador, que quer agir em nossos corações e nos reconciliar.

 

Um convite comunitário e social

Em segundo lugar, o convite é comunitário e social. A reconciliação do ser humano consigo mesmo e com Deus tem sempre um horizonte conjunto, o que conhecemos em Schoenstatt como “o homem novo na nova comunidade”. Com certeza esse é um desafio enorme e complexo, mas não precisamos ter medo frente a ele. Já existe um bom caminho andado se acreditamos de verdade que amar ao próximo é amar a Deus. Essa convicção nos ajudará a percorrer juntos esse caminho.

 

O Papa Francisco, na Encíclica Fratelli Tutti, nos apresenta linhas muito inspiradoras sobre o diálogo social, os caminhos do encontro na sociedade atual e o papel das religiões na construção da fraternidade. Pode fazer muito bem ler essa encíclica, sobretudo os capítulos VI, VII e VIII. Apresento aqui apenas uma de suas ideias que podem ajudar a nossa discussão:

 

O diálogo social autêntico pressupõe a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro, aceitando como possível que contenha convicções ou interesses legítimos. A partir da própria identidade, o outro tem algo para dar, e é desejável que aprofunde e exponha a sua posição para que o debate público seja ainda mais completo. Sem dúvida, quando uma pessoa ou um grupo é coerente com o que pensa, adere firmemente a valores e convicções e desenvolve um pensamento, isto irá de uma maneira ou outra beneficiar a sociedade; mas só se verifica realmente na medida em que o referido desenvolvimento se realizar em diálogo e na abertura aos outros. Com efeito, «num verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de dialogar, procurar pontos de contato e, sobretudo, trabalhar e lutar juntos» [3].

 

O caminho do diálogo é sempre um grande desafio, por isso é muito importante deixar que o Bom Deus nos conduza e abra nossos corações uns aos outros, de modo que não haja medo nem aversão em nosso meio. Só assim assumimos verdadeiramente o rosto e a missão da Igreja, que é “o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” . Que essa Quaresma seja para nós um tempo muito frutífero para crescer na Aliança, no encontro, na unidade, na reconciliação e no amor!

 

 

Referências

[1] Texto base da V Campanha da Fraternidade Ecumênica, n.14. Disponível em: <https://www.conic.org.br/portal/files/cf_texto_base_2021.pdf>.

[2] Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo atual, n.28. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html>

[3] Carta Encíclica Fratelli Tutti do Santo Padre Francisco sobre a fraternidade e a amizade social, n.203. Disponível em: <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html>.

 

Fonte: schoenstatt.org.br

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