(Foto: Karen Bueno)

 

Vamos refletir como aprofundar a vinculação com Deus, com os irmãos e consigo mesmo neste tempo quaresmal

 

Kennedy Rocha – Dia 17 de fevereiro de 2021 iniciamos o Tempo da Quaresma e com ele temos a oportunidade de aprofundar a nossa vinculação a nós mesmos, com o próximo e com Deus.

A Quaresma faz memória aos 40 anos que o povo de Deus passou pela caminhada no deserto, rumo à terra prometida, e, principalmente, lembra os 40 dias que Jesus jejuou e foi tentado. No Evangelho de São Marcos (1, 12-15) ouvimos a narrativa das tentações de Jesus no deserto, que podemos resumir em três temas: os bens materiais (ter), o prazer e o poder. Essa reflexão não é algo do passado, mas faz parte da vida de cada um de nós, pois as tentações permanecem em nosso dia a dia…

 

A tentação do prazer

Desde sempre o homem é tentado a seguir pelo caminho mais fácil e mais prazeroso. Buscar coisas e situações que nos causam alegria é natural e saudável. É preciso, no entanto, ter cuidado para não buscar somente isso, com frequência e constantemente sem equilíbrio. A busca do prazer apenas pelo prazer, sem um sentido espiritual, conduz a um vazio existencial e afasta a pessoa de si mesma. Então quais as ferramentas para vencermos a tentação do prazer?

 

“Conheça-te a ti mesmo”, nos disse Sócrates e nos repetiu Santa Teresa d’Ávila. O autoconhecimento é uma grande e eficaz ferramenta na luta pela santidade“O grau do nosso progresso no domínio das ciências tem que ser o grau do nosso aprofundamento interior, do crescimento da nossa alma. Caso contrário, cria-se também no nosso interior um vazio enorme, um abismo tremendo que nos faz sentir profundamente infelizes. Portanto autoeducação!”, diz o Pe. José Kentenich [1]. Ao nos conhecermos melhor, poderemos identificar nossos pontos fracos, nossos vícios e, a partir daí, encontrar as ferramentas adequadas para a autoeducação.

 

A Igreja sempre nos recomendou, para este tempo de Quaresma, a prática do jejum e da abstinência como meio para a busca do equilíbrio. Não é simplesmente deixar de se alimentar ou se privar de algo que gosto por um simples preceito, mas buscar, com isso, a autoeducação. Por exemplo, se estou viciado em doce e a minha glicose está alta, prejudicando a minha saúde, vou fazer o propósito de não comer doces durante um tempo, buscando o equilíbrio da minha saúde e do meu espírito; ou – outro exemplo – se o uso das redes sociais está prejudicando o meu convívio familiar, eu vou autoeducar-me e estipular um horário reduzido para esse fim. O jejum nos ajuda a controlar a nossa ansiedade, nos ensina a esperar; ele nos priva de algo e até pode ser difícil, porém, nos educa na busca do equilíbrio e nos vincula a nós mesmos.

 

A tentação do ter

Para compreender porque “ter” é uma tentação, precisamos entender a diferença entre prosperidade e acúmulo de bens. A prosperidade é presente de Deus e passa pela fé prática na Divina Providência, já o acúmulo de bens passa pela ganância, pelo egoísmo e consumismo. Em nossa cultura, somos induzidos a pensar que o homem vale aquilo que ele tem, não aquilo que ele é. Mas, “de que vale o homem ganhar o mundo inteiro e perder a vida eterna?” (Mc 8,36). Por isso, é preciso “juntar tesouros no céu, onde a traça e a ferrugem não corroem” (Mt 6,20). A tentação de querer ter sempre mais vai nos afastando do outro e rompendo o nosso vínculo fraterno. Então quais as ferramentas para vencermos a tentação do ter?

 

“Porque há maior alegria em dar do que em receber” (At 20,35). A caridade gratuita é a maior expressão do amor. Se olharmos a história do cristianismo, os mais ricos foram aqueles que mais partilharam: São Francisco de Assis, Santa Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres e muitos outros.

 

A partilha nos vincula ao outro e reata em nós o sentido de comunidade, família de Deus. “O amor de Deus também não o deixa tranquilo enquanto não tenha cumprido o último desejo de Jesus: ‘Dai e vos será dado; uma boa medida, calcada, plena e transbordante, será derramada em vosso seio’ (Lc 6, 38). Compartilha generosamente com o próximo o escasso pão de sua pobreza e assim observa as palavras de João Batista: ‘Quem tem duas túnicas, dê uma ao que nada tem. E quem tiver mantimentos, faça o mesmo’ (Lc 3, 11). [O cristão] Está consciente de que ‘quem auxiliar a um irmão necessitado, estende a mão a Jesus’, o primogênito entre muitos irmãos. E pode repetir com o apóstolo São Paulo: ‘Sei viver na penúria e sei viver na abundância; estou acostumado com tudo e preparado com o que vier: a ter fortuna e a passar fome, a ter abundância e padecer necessidade. Tudo posso naquele que me dá força’ (FIp 4,12-13)”, escreve o Pe. Kentenich[2].

Só através da caridade poderemos vencer a tentação do ter e através da partilha nos vinculamos ao outro.

 

A tentação do poder

Vivemos num mundo árido pela busca do poder. Muitas pessoas sentem grande necessidade de mandar, de mostrar sua superioridade diante dos outros, de estar “nas alturas”. Porém, a lógica do Reino de Deus é inversa: os humildes são exaltados, os últimos são os primeiros e os pequenos são os grandes. A tentação do poder é como uma contaminação presente em todos os meios de nossa sociedade, seja no pequeno núcleo da vida familiar, seja nas nossas comunidades de fé, no ambiente de trabalho ou onde existir um grupo de pessoas. Mas, como enfrentar a tentação do poder?

 

A tentação do poder rompe o nosso vínculo com Deus, pois queremos ter o poder Dele em nós, para agirmos segundo a nossa vontade egoísta. Somente por meio de uma vida de oração e humildade, de um espírito filial, conseguiremos nos vincular ao Pai de amor, de onde emana o verdadeiro poder. “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te recompensará. Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras, como fazem os pagãos que julgam que serão ouvidos à força de palavras. Não os imiteis, porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes que vós lhe peçais” (Mt 6,6-8).

 

A oração nos aproxima de Deus e mergulhamos no oceano da sua misericórdia, na oração “abrimos mão” do nosso querer para assumir o querer de Deus, pois acreditamos que a sua vontade é boa, perfeita e agradável. Ele é nosso Pai amoroso e quer que cada filho viva na originalidade que Ele criou. “Deus é Pai, Deus é bom e bom é tudo o que Ele faz”, salientava o Pe. José Kentenich. Por meio de uma oração humilde e sincera renovamos o nosso vínculo com Deus e vencemos a tentação do poder.

 

Somos tentados pelo prazer, pelo ter e pelo poder, que rompem os nossos vínculos conosco mesmo, com o outro e com Deus, porém através do jejum, da caridade e da oração podemos refazer os nossos vínculos e, assim, transfigurar a nossa realidade hoje.

 

[1] Documento de Pré-Fundação, 1912

[2] Santidade de Todos os Dias

 

Fonte: schoenstatt.org.br

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